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Desvio de tributo vinculado ao uso de papel faz Brasil perder competitividade

 

Cerca de R$ 3,5 bilhões deixaram de ser arrecadados em impostos no Brasil na última década por desvio de finalidade em uso de papel . São os valores calculados para a isenção de impostos do papel imune , assim denominado por ser livre de tributos quando a destinação é a produção de materiais educativos, como livros, jornais, revistas e apostilas utilizados para fins culturais e educacionais. Os estados mais impactados são São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná.

A imunidade tributária ao papel é garantida pela Constituição Federal e pelo Código Tributário Nacional quando destinado para fins educativos e culturais. Fisicamente, o papel imune é igual ao usado para fins comerciais. O que muda é a especificação sobre qual produto vai gerar, o que pode dar uma diferença tributária de até 60% . “É a finalidade que diz se ele vai ser tributado ou não, não a característica do papel em si”, resume o gerente de Política Industrial da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá) , Carlos Mariotti. A associação representa a cadeia produtiva de árvores plantadas, como a indústria papeleira.

Funciona assim: a indústria vende o papel para empresas como gráficas e editoras. Estas fracionam o papel e, a partir daí, o utilizam para um fim editorial ou não. A quantidade de papel que as empresas declaram ter sido usada para produtos editoriais fica isenta de tributos, como IPI e ICMS , e a que vai para fins comerciais, separada nessa triagem, paga os impostos que incidem sobre o setor.

As empresas que produzem materiais derivados de papel imune devem ser cadastradas nas secretarias de Fazenda dos estados - já que para operar esse tipo de papel é preciso ter um registro específico ( veja abaixo ). No entanto, mesmo com medidas de fiscalização, nem sempre se sabe se o uso do papel foi integralmente para materiais com imunidade tributária ou, ainda, se pode haver “laranjas” no processo. “O desvio não é pequeno. Do total do papel consumido no Brasil chega a uma média de 45% (de papel imune desviado) . E é algo muito difícil de ser apurado, porque se dá no processo fracional, e não na venda final do livro”, exemplifica Mariotti.

Para se ter uma ideia do que configura um papel imune, vale exemplificar por categorias. No caso do papel cartão , capas de livros são imunes; embalagens de produtos, não. No do papel offset , que registra maior incidência de desvio de finalidade, o que vai para fazer livros didáticos, não didáticos e apostilas não recolhe impostos; já o que é usado para cadernos, folhetos, calendários, agendas e outros itens, sim. Do couchê , o que compõe revistas e livros é imune. O que vai para fôlderes, catálogos e rótulos de embalagens, não.

A partir de uma bobina de papel imune, pode-se fracionar, utilizar o peso declarado para fabricar materiais didáticos e educativos e, com as sobras, produzir material comercial. Mas, quando isso acontece, as empresas precisam declarar o uso e recolher os tributos sobre o que é produzido para este fim. Quando não fazem isso, os prejuízos vão da vantagem competitiva entre empresas que se valem de pagar por uma matéria-prima sem impostos e vender como um produto tributado até os impactos na arrecadação dos fiscos federal e estaduais.

De que impacto o setor fala e como faz o cálculo

Calcula-se que 4,3 milhões de toneladas de papel imune tiveram a finalidade desviada no Brasil entre os anos de 2009 e 2020 (neste montante não entram jornais). Somente os últimos 10 anos, isso gerou um impacto de R$ 3,5 bilhões aos cofres públicos. Os cinco estados com maiores registros são São Paulo (R$ 501 milhões em tributos não arrecadados e 1 milhão de toneladas desviadas); Rio de Janeiro (R$ 166 milhões e 334 mil toneladas); Minas Gerais (R$ 139 milhões e 278 mil toneladas); Rio Grande do Sul (R$ 103 milhões e 206 mil toneladas); e Paraná (R$ 99 milhões e 199 mil toneladas).

Os dados são da Ibá, que, em virtude da dificuldade em caracterizar o uso indevido, precisou fazer um cálculo aprimorado para estimar o que os números denunciam. Quando uma empresa opera com papel imune é preciso que obtenha junto à Receita Federal o registro especial de papel imune, o REGPI . Com o registro, a empresa se cadastra no Sistema de Registro e Controle das Operações com Papel Imune, o Recopi, controlado pelos estados. Os registros são os mecanismos de controle do que é declarado de papel imune comprado e utilizado para os devidos fins.

“Quando a empresa se credencia, precisa informar para o Estado o volume que comprou de papel imune, o volume que destinou e para qual fim”, explica Mariotti. Por exemplo, uma empresa compra 100 toneladas de papel imune e usa 60 toneladas para edição de um determinado livro. Contabiliza-se as perdas no processo e, o que sobra, é preciso declarar para qual finalidade será usado. “Caso seja para confeccionar um produto comercial, a empresa recolhe a diferença do imposto. Mas muitas vezes isso não acontece da forma adequada”, complementa. Também há casos de empresas que são constituídas com o objetivo de aplicar a fraude. “Emitem notas informando que produziram o volume determinado de livros e revistas para fins editoriais e, na verdade, não produziram”, aponta.

Cruzando os dados, no entanto, dá para ter uma ideia do que fica nesse limbo. Como a associação colhe da indústria a quantidade de papel imune destinada a virar livros e outros produtos editoriais isentos de impostos, o passo seguinte é comparar aos dados fornecidos por estado da quantidade de papel comprada para estes fins, declarada por empresas como gráficas e editoras. Tem-se aí o peso de papel imune vendido que deverá ser usado para chegar como produto final ao mercado.

Então, as informações são recolhidas de entidades como o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) e a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) , que representam os publicadores enquadrados na categoria imune, para saber quantas unidades de livros, revistas e outros periódicos lançaram no mercado. Calcula-se aí o peso unitário médio de cada tipo de produto, multiplica-se pelas unidades que foram para venda e chega-se a uma quantidade de papel média imune de impostos utilizada em um determinado ano. Em suma, compara-se o que a indústria vendeu, as gráficas e editoras declararam produzir e o que efetivamente foi para o mercado com imunidade tributária.

As entidades que informam a quantidade de produtos anualmente comercializada também ajudaram a adotar o peso médio dos livros e revistas, dando uma ordem de grandeza para entender a ideia do desvio. “A partir daí, tem uma conta de aplicação tributária sobre o que a gente estima que é desviado. Dividimos isso pelo PIB (produto interno bruto) do estado e chega-se ao valor moeda”, explica o gerente, levando-se em conta que, normalmente, o consumo de papel em cada estado representa duas vezes o próprio PIB. Quando o papel é importado, além do IPI e ICMS considera-se ainda as alíquotas de importação.

Fiscalização para coibir desvios

Ao longo da última década, a Ibá vem atuando junto aos governos estaduais para que as secretarias da Fazenda regularizem o Recopi, para auxiliar no controle das empresas que operam o papel imune. Mas, segundo a instituição, apesar das tratativas com os principais parques gráficos, dois estados ainda não habilitaram o registro (Amapá e Mato Grosso), enquanto seis não editaram decretos que incorporam as regras (Acre, Amazonas, Paraíba, Roraima, Rio Grande do Sul e Tocantins).

Junto à Receita Federal, a entidade começou a tratar do problema de desvio de finalidade em 2016. A partir de 2017, o papel imune foi incluso no plano anual de fiscalização do fisco federal. “A ideia é atuar de forma conjunta e parceira ao fisco, porque temos conhecimento de mercado, como funciona, quais as aplicações, finalidades, tipos de papel e o fisco tem o conhecimento dos mecanismos de controle”, diz Carlos Mariotti.

A Associação Brasileira de Gráficas (Abigraf) é mais uma instituição que luta para coibir os desvios de finalidade do papel. “Fazemos constantemente junto aos governos estaduais e federal pleitos de maior rigor na concessão do registro especial para operar com papel imune, bem como maior fiscalização”, afirma o presidente nacional da associação, Sidney Anversa. Outra frente é a mobilização das empresas da base de representação. Junto com a Associação Brasileira de Rotativas Offset (Abro) , a entidade elaborou um selo, chamado Papel Legal, para ajudar no combate a este crime. “O selo atesta que o papel utilizado no processo produtivo está de acordo com a legislação tributária vigente”, explica Anversa.

Para o presidente da Abigraf, também é preciso olhar para o que motiva os desvios. Uma alternativa que desestimularia a prática é a redução da carga tributária do papel comercial . “Assim, uma pequena diferença não compensaria a prática do ilícito e, em contrapartida, o governo ganharia com o aumento da base de recolhimento. Ou seja, apesar da redução das alíquotas, passaria a arrecadar sobre um número bem maior de transações”, acredita.

Embora as empresas que praticam o desvio sejam minoria, segundo Anversa, os problemas que causam na cadeia são significativos. “Essas empresas obtêm vantagens competitivas indevidas e desleais, que prejudicam todos os agentes de mercado, da cadeia produtiva à comercialização”.

Sistema paranaense rastreia origem e destino da mercadoria

No Paraná, por exemplo, quinto estado com os maiores registros, a Secretaria Estadual da Fazenda (Sefa) conta com um sistema de “malhas fiscais” para rastrear a origem e o destino da mercadoria, com base na Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), bem como a utilização e finalidade do papel. Segundo a Sefa, o sistema está em aperfeiçoamento.

O órgão estadual enfatiza, porém, que o maior problema são as empresas laranjas, criadas para comercializar as mercadorias sem o pagamento dos impostos e que desaparecem rapidamente. Para combatê-las, o Fisco do Paraná desenvolveu um sistema chamado Simfe , que monitora, em tempo real, a emissão de documentos fiscais eletrônicos e suspende automaticamente a emissão de notas fiscais quando detectados indícios de fraude. O sistema Simfe identifica as empresas falsas com base em uma série de regras e cruzamento de dados que identificam contradições nas informações constantes nos documentos eletrônicos emitidos, detectando operações fictícias ou simulações.

O Paraná tem cadastradas 200 empresas no Recopi . Com base no sistema de dados da Receita Estadual, utilizando as saídas (vendas), com nota fiscal eletrônica e o NCM da mercadoria, a Sefa registra que essas empresas comercializaram um total de R$ 2,46 bilhões em papel imune desde 2018. A imunidade tributária concedida ao papel no Paraná representou a dispensa de ICMS ao estado em, aproximadamente, R$ 345,3 milhões desde 2018.

 Veículo: Jornal Gazeta do Povo