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Olimpíadas muito além das medalhas no peito

Muito além das medalhas, os Jogos Olímpicos servem também de termômetro da realidade geopolítica mundial. O megaevento extravasa as fronteiras do esporte e mostra um pouco mais sobre a humanidade, seus desafios e possíveis caminhos para a construção de um mundo melhor. Seu longínquo início, na Grécia Antiga, já demonstrava que o esporte não era visto como um fim, cujo objetivo se limita a ser o primeiro. Realizado na cidade de Olímpia, o evento nasceu com a tentativa de unir cidades rivais por meio de disputas esportivas.

Durante a guerra fria, quando a tensão bipolar podia trazer ameaças de aniquilação nuclear, o evento virou palco para demonstrar simbolicamente a liderança e uma dita supremacia de quem conquistasse mais medalhas. Em outro exemplo histórico, os jogos de 1936 na Alemanha, quando Adolf Hitler comandava o país, foram palco de resultados que desmoralizavam a falsa noção de superioridade racial.

O atleta norte-americano Jesse Owens não se intimidou e, em pleno território nazista, tornou-se o primeiro negro a conquistar quatro medalhas de ouro em uma edição. Em 1968, nos jogos do México, foi a vez dos norte-americanos Tommie Smith e John Carlos cerrarem seus punhos para o alto no pódio em alusão aos Panteras Negras, grupo que combatia a discriminação racial.

Não é possível pensar em Olimpíadas sem recordar a maratonista suíça Gabrielle Scheiss que cruzou a linha de chegada praticamente se rastejando, devido à fadiga. A atleta tornou-se um símbolo de persistência e, apesar da 37ª colocação, foi aplaudida de pé pelo público.

Saltando no tempo e entrando já em 2021, é possível fazer um paralelo com a ginasta dos Estados Unidos, Simone Biles, que optou por não competir em algumas provas para priorizar sua saúde mental, em ato de coragem, diante de uma nação que torce por ela, mas que necessita compreender a presença dela no todo da sociedade.

Simone Biles mostra a mudança dos tempos. Hoje, a exemplo das questões de saúde mental, temas tais como sustentabilidade, combate às mudanças climáticas, à intolerância e à discriminação, conformam uma ampla agenda que também está presente nas Olimpíadas.

Tóquio 2020, nesse contexto, apresenta-se ao mundo como fiel espelho da sociedade atual, em toda a sua pluralidade e diversidade. Seu início foi marcado pela trágica pandemia da Covid-19, que levou vidas humanas, adiou os jogos por um ano e impôs a realização de um evento sem a presença do público.

Mas nem mesmo as adversidades impediram que os japoneses demonstrassem ao mundo que é possível sonhar, encantar e ser ambientalmente consciente, mesmo em tempos tão sombrios. De fato, um dos maiores eventos esportivos do mundo não se limita ao esporte, vai além. A sociedade, a economia e o meio ambiente também estão nessa narrativa.

Foi criado um Código de Compras Sustentáveis, assegurando a sustentabilidade em toda a cadeia de suprimentos, serviços e produtos licenciados. As medalhas também são feitas com reciclagem de lixo eletrônico descartado pela população do Japão. A eletricidade advém de fontes renováveis, como solar e biomassa. E dentro deste contexto, da execução das Olimpíadas mais verdes até então, o setor de árvores cultivadas ganhou especial destaque.

Em um dos momentos mais charmosos dos jogos, na abertura, o destaque ficou por conta dos arcos olímpicos modelados a partir de pinheiros plantados por atletas nipônicos nas Olimpíadas de 1964, igualmente em Tóquio. Espaços que estão abrigando diferentes modalidades, como o Estádio Olímpico e o Centro de Ginástica Ariake, misturam modernidade e sustentabilidade, ao também utilizarem madeira em suas estruturas.

Nas vilas olímpicas, o toque mais verde combinado com conforto e segurança ficaram por conta das camas dos atletas, feitas de papelão ondulado. Material produzido em larga escala no Brasil pelo setor de árvores cultivadas, que tem em suas raízes o trabalho apoiado em sustentabilidade.

Isto demonstra que esta agroindústria nacional, que já fabrica mais de 5.000 bioprodutos e subprodutos, pode ir além. Há espaço para que o setor leve seus atributos para infraestruturas, por exemplo, ou marque presença em megaeventos, evidenciando que modernidade e sustentabilidade podem andar lado a lado.

Este é um setor que planta 1 milhão de árvores por dia e cultiva em 9 milhões de hectares para fins industriais, ao mesmo tempo em que destina 5,9 milhões de hectares para áreas de conservação. Juntas, estas florestas removem e estocam 4,48 bilhões de toneladas de CO2 eq., carbono este que fica retido nos produtos que são recicláveis e biodegradáveis.

Ao mesmo tempo, trata-se de indústria que investe em inovação para proporcionar ao planeta alternativas menos nocivas ao meio ambiente. A nanotecnologia também invadiu o setor e tem causado uma verdadeira revolução. A celulose, quebrada em partículas milimétricas, adquire propriedades como resistência, impermeabilidade e leveza, tornando-se potencial substituto de materiais de origem fóssil em milhares de produtos.

Uma das aplicações, a partir da celulose microfibrilada, é para produção de fios têxteis, formando tecidos que necessitam de até 90% menos água e químicos. Também vale mencionar que a viscose, que tem a celulose solúvel como matéria-prima, já é uma realidade e possui 7% do market share global.

Quem sabe a capital francesa não seja o símbolo somente do Acordo de Paris, mas também seja a sede das Olimpíadas com os uniformes mais sustentáveis da história, nos jogos se 2024. Tecnologia e conhecimento para isso o setor de árvores cultivadas brasileiro tem de sobra. Aliás, falando em uniforme, a questão de igualdade de gênero apareceu na roupa usada pelas ginastas da Alemanha, que puderam pela primeira vez na história usar macacões, como os homens sempre usaram. Foi uma posição contra a sexualização do esporte que praticam.

As oportunidades estão surgindo e é hora refletir e encarar a realidade. Juntos, podemos construir uma nova economia de baixo carbono. Que Tóquio 2020 desperte em cada um de nós o senso de urgência na mudança de atitude, na busca por um futuro mais sustentável. Que o mundo consiga se engajar na mensagem mais profunda destes jogos e entenda que as Olimpíadas vão muito além de medalhas no peito. 

*José Carlos da Fonseca Jr. é embaixador e diretor executivo da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), com assento no Comitê Diretor do The Forests Dialogue (TFD) e no Advisory Committee on Sustainable Forest-based Industries (ACSFI), da FAO

VEÍCULO: REVISTA GLOBO RURAL